domingo, 17 de março de 2013

A Era das Big Bands - Parte III


O Fim

VI Festival da Canção (Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1968). Fonte: Correio da Manhã

Nos anos 60, tudo mudou! O começo da década foi marcado pela concretização de projetos ideológicos e culturais nascidos nos 50: o rock e a cultura de vanguarda encontraram um fértil terreno para se desenvolver no meio de tantas guerras e conflitos que ocorreram nos anos seguintes. Se os 50 ficaram conhecidos como anos dourados, os 60 se caracterizaram pela perda da inocência e foram uma explosão de juventude em todos os aspectos.

Nos EUA, os jovens, cansados de se submeter aos rígidos padrões morais dos anos 50, começaram a questionar o seu papel na sociedade. Eles eram obrigados a agir e a pensar como os mais velhos e a reproduzir o seu modo de ver o mundo, além de serem convocados, mesmo contra a sua vontade, para lutar em frentes como a da Coreia (1951-1953) onde cinquenta mil soldados norte-americanos morreram. No mundo todo, milhares de jovens pereceram em conflitos na Indochina, Oriente Médio, África e Caribe durante os anos 60 e 70.

A juventude não queria mais herdar a identidade dos pais ou dos avós. Ela buscava a própria identidade. Nesta efervescência, surgiu, em diversos países, um movimento de negação de todos os valores morais, estéticos e políticos estabelecidos até então. Este movimento pregava a paz e o amor e também lutava pelos direitos civis das minorias: negros, mulheres e gays. Manifestações e palavras de ordem mobilizaram os jovens contestadores que costumavam usar cabelos longos, roupas coloridas e, na maioria das vezes, drogas psicodélicas. Este novo comportamento ficou conhecido como contracultura.

Muitas mulheres também não se conformavam com o retrocesso de seu papel na sociedade dos anos 50 e lutavam para ter os mesmos direitos dos homens e serem independentes. A comercialização da pílula anticoncepcional, no começo dos 60, incentivou o surgimento de uma classe de profissionais do sexo feminino que, pela primeira vez, tinha o controle da própria fertilidade e, portanto, poderia se dedicar mais ao trabalho e planejar uma gravidez. A pílula, como ficou conhecida, produziu um imenso impacto social, libertando sexualmente a mulher. Alguns historiadores, no entanto, atribuem a revolução sexual também ao uso, em larga escala, da penicilina que, apesar de ter sido descoberta em 1928, só foi disponibilizada a partir de 1941 por causa da Segunda Guerra: a sífilis era uma doença fatal, transmitida sexualmente, que ameaçava as tropas nas frentes de batalha e a penicilina era o único tratamento eficaz. Para preservar os seus jovens soldados, os EUA aceleraram o desenvolvimento deste antibiótico. A revolução sexual e de costumes foi tão intensa que também atingiu a moda: as saias longas e rodadas, que usavam metros e metros de tecido, foram trocadas pela minissaia que, sem dúvida, possuía um apelo mais sensual. Criada pela estilista inglesa Mary Quant, as mulheres dos anos 60 só precisavam de um diminuto pedaço de pano para criar o seu modelito.

Todas estas transformações aconteceram quase que simultaneamente em todo o planeta e é impossível desassociá-las da televisão. Apesar de estrear no Brasil em 1951, a TV só ganhou impulso na década de 60 com a popularização dos aparelhos receptores. O advento do VT (vídeo tape) facilitou a divulgação no mundo todo de cenas fortes que antes o rádio deixava por conta da imaginação do ouvinte. A narração foi trocada pela ação.

No Brasil, o peso do projeto de JK, 50 anos em 5 começou a cobrar a sua conta: o desenvolvimento proposto pelo ex-presidente foi feito com excesso de endividamento e dependência de capital externo. A construção de Brasília, em tão pouco tempo, consumiu recursos de que o País não dispunha e gerou uma inflação descontrolada. A partir de 1968, com o governo militar, a economia brasileira viveu um boom e o PIB saltou de 3,7% para 11%. Este crescimento aconteceu, sobretudo, por causa da participação do Estado na economia, mas, apesar disto, a distribuição de renda concentrou-se ainda mais.

A posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, incomodou os meios militares e os EUA, pois Jango, como era conhecido, nutria uma certa simpatia pelo regime comunista. Em 31 de março de 64, as Forças Armadas tomaram o poder e o Brasil entrou em uma violenta ditadura que duraria mais de vinte anos, passando a integrar o seleto grupo de países da América Latina que estavam vivendo um regime autoritário. O golpe de 64 não chegou a ser uma revolução militar, mas foi, sem dúvida, uma revolução social - os jovens foram às ruas, contestar e brigar, e muitos morreram. Ameaçado, o poder vigente decretou o AI-5, em 1968, e proibiu quaisquer manifestações políticas contra o regime.

A ditadura política impôs novas regras à produção cultural, censurando músicas, filmes, peças de teatro... O perfil das composições musicais mudou e muitas letras de amor ou de crônicas do dia a dia deram lugar às mensagens de protesto, sublinhando formas de resistência à nova ordem política e com uma função social bem diferente daquela de anos anteriores. A valorização das letras das canções dificultou a divulgação da música instrumental proposta pelas grandes orquestras.

O conturbado período gerou uma intensa agitação cultural com o envolvimento, principalmente, da juventude universitária – que desejava uma cultura nacionalista de esquerda e já estava farta da colonização cultural imposta pelos EUA. A bossa nova já não a satisfazia, pois, apesar de ter promovido uma reformulação na linguagem musical brasileira, faltava-lhe conteúdo: os jovens já não queriam mais ouvir falar de “mar, amor e flor” e buscaram canções mais engajadas politicamente.

Os festivais promovidos por algumas emissoras de TV talvez tenham sido os maiores responsáveis pela nova cara da música popular brasileira. Eles fizeram muito sucesso junto à juventude universitária – que repudiava o movimento da Jovem Guarda por considerá-lo alienante e muito próximo aos padrões “imperialistas” norte-americanos.

A contracultura chegou ao Brasil através do tropicalismo que apareceu nos festivais. Inspirados no movimento Antropofagista dos modernistas da Semana de Arte de 1922, os tropicalistas também queriam “comer” a cultura externa (não necessariamente a norte-americana) e digeri-la de uma forma bem brasileira. Eles não queriam usar a música como forma de protesto, mas como uma maneira de mostrar todas as facetas da desigualdade social no País e nossa brasilidade em uma estética inovadora. Foram criticados pelos nacionalistas que confundiram a criatividade do movimento com subserviência cultural por agregarem alguns elementos "importados" às suas interpretações. É importante ressaltar que o tropicalismo não introduziu a guitarra elétrica na música brasileira, pois a jovem guarda já estava fazendo isto há tempos. Ele introduziu uma gama de novos tipos de sons na música através dos pedais das guitarras elétricas - que se tornaram muito populares no mundo, a partir dos anos 60, por causa do sucesso de grupos de rock, como os Beatles, e do avanço da tecnologia. Podemos dizer que o tropicalismo trouxe a experimentação de novas sonoridades à nossa música.

Toda esta rebeldia culminou em 1968 quando os movimentos de contestação estudantis tomaram conta das ruas em diversas cidades ao redor do mundo. Pelo contexto, vemos como foram agitados os anos 60. Foi provavelmente a primeira vez na história em que o engajamento político, a modernização da linguagem artística e a participação maciça da mídia convergiram para a mesma direção.

Não havia mais espaço para o formato datado das big bands. O romantismo foi soterrado pelas cruas imagens de TV; com a revolução sexual, rapazes e moças não precisavam de eventos sociais para interagir, e a música instrumental perdeu espaço para letras de cunho político-social. Algumas orquestras tentaram furar este bloqueio e, por algum tempo, até chegaram a fazer sucesso, como a Banda Veneno, de Erlon Chaves, que chegou ao ápice da fama em 1971, no V Festival Internacional da Canção (FIC), realizado pela TV Globo. Erlon era negro e apresentou a música Eu Também Quero Mocotó (Jorge Benjor), vestido de forma extravagante e ladeado por belas mulheres brancas com roupas insinuantes que dançavam de forma sensual e o beijavam. Um escândalo suficiente para sentir a mão pesada da ditadura, do racismo e comprometer o futuro promissor de sua banda. Em 14 de novembro de 1974, no meio de uma discussão e defendendo o seu amigo, cantor e preso político Wilson Simonal, teve um infarto e morreu.

A era das big bands no Brasil foi definhando lentamente até ficar restrita a bailes nos subúrbios e em cidades do interior. Esta linguagem musical herdada dos EUA já não era mais adequada ao nosso momento histórico e, ao longo dos anos, as orquestras brasileiras foram sofrendo vários golpes. O último e decisivo foi o avanço do desenvolvimento tecnológico que permitiu a profusão da música eletrônica com grande qualidade a baixo custo.

Já que o modismo foi importado dos EUA e o fim da Era do Swing data oficialmente do desaparecimento do bandleader Glenn Miller, em 1944, talvez possamos dizer que a morte do maestro Severino Araújo, em 3 de agosto de 2012, tenha decretado simbolicamente o fim das orquestras de baile no Brasil.

Na foto acima, VI Festival da Canção (Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1968). A fonte é o jornal Correio da Manhã.



Não achei um vídeo ao vivo da Banda Veneno, então escolhi esta projeção de imagens com a música mais famosa da banda: Eu Também Quero Mocotó (Jorge Benjor). O cantor é o próprio Erlon Chaves e é interessante notar fotos de algumas pessoas relacionadas com o maestro, como Wilson Simonal, Vera Fischer (sua namorada) e Flávio Cavalcante. Erlon foi jurado do programa de Flávio - que também contava com a banda do Maestro Cipó. A partir de 1972, Cipó também levou sua orquestra de gravações e TV para os bailes pelo Brasil.

Para quem quiser entender um pouco mais sobre a interferência do período da ditadura na música, recomendo ler o capítulo do livro O Gogó de Aquiles, do músico Rique Reis (vocalista do MPB-4) que fala justamente de Simonal, Erlon Chaves e Tony Tornado.
Fontes:
Livros:
  • Coleção Nosso Século – Vol 4 (A Era dos Partidos), SP, Ed Abril, 1980
  • MARANHÃO, Ricardo, O Governo Juscelino Kubitschek, SP, Ed Brasiliense, 1988, 5ª edição
  • MOSTARO, Carlos Décio /e outros/, História Recente da MPB em Juiz de Fora – 1º tomo, MG, Ed Independente, 1977
  • ALMEIDA, Rui Gomes de, Ideias e Atitudes, RJ, Livraria José Olímpio Editora, 1965
  • CARDOSO, Míriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento (Brasil: JK-JQ), RJ, Ed Paz e Terra, 1978, 2ª edição
  • AQUINO, Rubim Santos Leão de /e outros/, História das Sociedades Modernas às Sociedades Atuais, RJ, Ed Ao Livro Técnico, 1978
  • LAMBERT, J., América Latina – Estruturas Sociais e Instituições Políticas, Cia Ed Nacional, SP, 1969

Jornais:
  • BÁRBARA, Danúsia, “Para Ler e Relembrar”, JB, RJ, 27/06/1975, caderno B, pag 01
  • SCHILD, Suzana, “Feito Para Dançar – o Som de Waldir Calmon Continua na Praça”, JB, RJ, 02/07/1979, caderno B, pag 01
  • O Silêncio de um Som Feito Para Dançar”, JB, RJ, 12/04/1982, caderno B, pag 01
  • BREAN, Denis, “Waldir Calmon”, Gazeta Esportiva, SP, 29/03/1960, coluna O Rádio e a TV, pag 07

Revistas:
  • Música Para Dançar – Segredo Simples de Waldir Calmon”, Revista do Rádio, RJ, 29/05/1965, pag 34
  • O Sucesso do Cantor Fernando Barreto”, Revista do Rádio, RJ, 07/06/1957, pag 28
  • TÁVOLA, Arthur da, Revista Amiga, RJ, Ed Bloch, 28/04/1982, última pág

Entrevistas com frequentadores de bailes de orquestras

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